Entro pela sala onde será realizada a ecografia morfológica cheia de boas expectativas e sorrisos. Já sei como é, tenho alguma experiência nisto, sei que vai ser demorado, que a médica me vai dar toda a sua atenção, que tenho muito tempo para contemplar o bebé por esta maravilhosa janela de ultrasons.
Ela vai vendo tudo, ensinando, sorriso nos lábios, a tirar medidas, vê o sexo, garante que está tudo bem, fémures e húmeros praticamente do mesmo tamanho, bexiga, rins, pulmões, crâneo, palato, boca, cabeça maior que perímetro abdominal, os vinte dedos das mãos e dos pés, tudo. Quase tudo. A mim vêm-me as lágrimas aos olhos, como foi de todas as outras ecos da primeira vez e como ainda não tinha sido da segunda. Depois a médica não consegue ver com pormenor o coração porque o bebé está de costas, «saia, beba uma bebida açucarada, ande um bocadinho que eu já a chamo novamente». Faço isso, com aquela lembrança de já da outra vez ter sido assim, mas porque o bebé teimava em não abrir uma mão e deixar contar os dedos.
Torno a entrar, de sorriso, a deitar, a oferecer a barriga. A médica prescruta, desta vez o bebé está numa boa posição, dá para parar a imagem, logo a seguir já mudou. E, depois, de repente, ela pára e diz: «Rita, eu não quero que se preocupe, mas vou sugerir que faça um ecocardiograma fetal. Não consigo ver bem o coração, mas parece estar tudo bem, aliás, está tudo bem com o resto. Não quero que se preocupe, as grandes malformações cardíacas são perfeitamente visíveis. Um ecocardiograma fetal é a mesma coisa, uma ecografia feita por um cardiologista pediátrico, uma eco que incide sobre o coração. Eu estudei seis anos de obstetrícia, ele estudou seis anos de cardiologia, vai ver muito melhor do que eu. É que o coração é difícil de ver, é um órgão pequeno, constantemente em movimento, e o bebé também se mexe. Só não consigo ter a certeza se esta membrana aqui, está a ver, está totalmente íntegra.»
Não estou a ver nada. Não percebo nada, não interpreto nada. Visão, audição, todos os sentidos, entram numa espécie de túnel onde se pensa que nos estão a dizer, única e exclusivamente, que o nosso bebé tem um problema cardíaco. Tenho vontade de chorar, não me ocorre nenhuma pergunta, nenhuma dúvida, só o medo. Saio para fora do gabinete e na recepção marco o novo exame. Dali a uma semana. Uma semana de espera para ver se está tudo bem. Uma semana com a indicação de não me preocupar.
Já em casa, apercebo-me que não perguntei nada. Nome do médico, consequências de uma qualquer interrupção numa qualquer membrana, preço, nada.
Os primeiros dois dias, dia e meio, ando estranha, não me concentro o suficiente no trabalho nem em nada, há uma tristeza que me preenche e que está sempre lá, por baixo de tudo. E depois converso, ouço, pesquiso, descubro que o exame é mais comum do que pensei, que as indicações para o fazer são mais que muitas. Descontraio. Faço o melhor para, conscientemente, não me preocupar... em demasia.
Impassível à minha preocupação, ou quem sabe ligeiramente influenciado por ela, o coração do meu bebé bate. À velocidade normal, com tudo normal, tamanhos normais, localização normal, cavidades normais, artérias e veias normais, membranas normais, fluxos de sangue normais, todos os nomes esquecidos que aprendemos na escola. O meu bebé tem um bom coração, normal, e fez questão de o mostrar hoje, no exame, ao médico e à mãe. Como é normal, eu estou muito contente.
Rita