Hoje, depois do jantar, lavagem dos dentes, etc, história da Mandarina*; eu, Alice e Vasco (é tão giro, fica mais quieto a ver as imagens e a ouvir-me, e depois tenta agarar as letras) sentados no sofá.
Depois, Vasco a ir para a caminha nos meus braços, Alice a continuar a conversar com o pai no sofá.
Vou. Volto. Pai às voltas com a Mandarina, porque ela era má e o mago a tinha transformado em árvore. E então a Alice, toda chateada: «A Mandarina não era má! E não ficou transformada em árvore!».
Tentamos nova explicação. Ela, irredutível.
Pego novamente no livro, folheio até às páginas e começo, pacientemente: «Estás a ver aqui? O Mandarim era grande e gordo e tinha um coração como ele, onde cabiam todos os seres. Vês aqui esta árvore? É como o coração do Mandarim, por isso é que estão estas pessoas e animais todos nos ramos... E aqui? É a Mandarina, pequena e bonita, mas com um coração onde só cabia ela. Estás a ver a árvore? É só um ramo, onde só está ela.» E continuo: «E depois vem um mago, um feiticeiro, mascarado de velho sem-abrigo, que é uma pessoa que não tem nada, e pede-lhe uma laranja, e ela, mesmo tendo estas laranjas todas, tantas, que estão aqui, estás a ver, diz-lhe que não, e grita, e diz-lhe que não lhe dá porque ele é velho e feio e sujo. Então ele, que é mago, tranforma-a numa árvore que dá laranjas docinhas que toda a gente gosta. Mais do que gostavam dela como pessoa.»
Alice de sobrolho franzido, verdadeiramente zangada, a levantar a voz: «Então... se a V. e o Rui e o Tiago e a Sofia me deram este livro em que a Mandarina é má e fica uma árvore, já não o quero!»
E vai de deitar (suavemente) o livro para o chão. Verdadeiramente traída pela sua ideia da Mandarina, que não havia com certeza passado da figura pequena e bonita da ilustração.
Nós desconcertados. Nova explicação. «Mas não vês que assim todos gostavam das laranjinhas dela...?!»
...
Já na cama, o pai para ela: «Então, mas podes inventar o fim que quiseres... a seguir a árvore Mandarina, como se tinha portado bem e dado laranjinhas doces a toda a gente, transforma-se novamente em Mandarina pessoa e fica boa...»
E acho que só mesmo assim é que os amigos que deram o livro ficaram perdoados, nesta nova aventura de se inventar fins diferentes para as histórias que não acabam como se quer...
Rita
*"A bela Mandarina", texto de Laura Pons Vega, ilustração de Elena Odriozola, edição de ItsImagical (Imaginarium)