Um dia antes de fazer os nove meses – e, provavelmente para
comemorar um mês de creche – a Joana ficou doente pela primeira vez.
A diarreia que tinha há uns dias estava a passar, controlada
só com dieta, mas na quarta-feira passada fomos dar com ela com febre. Parecia
bem, ativa, igual a ela mesma, com apetite, mas com febre. E, como durante o
dia, me parecesse vê-la cofiar a orelha num gesto que lhe é pouco habitual, lá nos
organizámos (Vasco na vizinha) e rumámos à Estefânia à noite. Aproveitámos um
coxear de vários dias da Alice e levámo-la também.
Depois do Rx, o diagnóstico da mais velha foi rápido e
fácil: um ligeiro entorse a necessitar só de dispensa da prática de educação
física durante quinze dias, passível de melhorar em menos. A avaliação do
estado da Joana demorou mais um pouco mas o resultado foi claro: uma ligeira
inflamação nos dois ouvidos, sem pus, com alta probabilidade de se resolver em
48 horas só com Brufen. O médico explicou as alternativas: ou medicar, de forma
talvez excessiva e precipitadamente com antibiótico, ou garantir a necessidade de
reavaliação após o período indicado. Escolhida a última hipótese, questionei-o
acerca do atestado para ficar em casa com a mocinha e qual não foi o meu
espanto quando ele me explicou que, atualmente, só poderia fornecer uma
declaração médica com o diagnóstico e que seria o colega do centro de saúde a
quem caberia passar o atestado de assistência à família.
Pois que lá rumei eu, desta feita só com a doente, para o centro de saúde da minha área. Tirei a senha e expliquei no atendimento ao que
vinha. Tiraram fotocópia do meu Cartão de Cidadão e da declaração do médico no
hospital e mandaram-me esperar. E esperámos. Esperámos, eu e a minha rapariga
pequena – doente, já tinha dito? possivelmente com um contexto viral,
contagioso, certo? e a idade de nove meses, também já tinha mencionado? – exatamente
TRÊS HORAS E MEIA…! Sentadas na sala de espera, indiferentemente a poderem
estar ao nosso lado grávidas, bebés mais pequenos ou doentes, idosos, fosse
quem fosse…
Duas horas depois de lá estarmos, dirigi-me ao atendimento e
perguntei, com a maior calma e boa educação de que fui capaz – mas provavelmente
com olhos raiados de fúria – do que estava eu à espera. «Então… não veio para
lhe ser passado um atestado…?! Está à espera que o médico consiga chamá-la…»
Perguntei se não me encontrava à espera de uma consulta de urgência para isso
(passo a explicar o raciocínio: ou o médico tirava um minuto entre consultas
para observar as fotocópias dos documentos e aproveitava os meus dados já
informatizados para me passar o atestado o mais depressa possível ou desejava
examinar novamente a criança e, nesse sentido, fá-lo-ia numa consulta com
urgência para que um bebé de nove meses, doente, não estivesse à espera – tem lógica?
Pelos vistos, não) e que estava ali a perguntá-lo uma vez que já tinham sido
chamadas outras pessoas chegadas depois de mim, algumas delas provavelmente
também com urgências.
E é quando a senhora me explica que não, que não era uma
consulta. Que «qualquer coisa, blá-blá-blá, um favor do médico, quando tivesse
tempo». Estaquei: «Desculpe, mas o médico não me está a fazer favor nenhum.»
(Duas horas????!!!! Com filha de nove meses doente???!!! É que é cá um favor!!!!!) E ela: «Sim, no fundo
é mais ou menos um favor.». Ao que expliquei que tinha estado na noite anterior
no hospital durante uma hora e quarenta e que a minha filha já tinha sido
examinada e diagnosticada, trazendo eu o papel do diagnóstico. E que sabia que
ela, a senhora, não tinha culpa nenhuma, mas que compreendesse a minha
situação. E ela explicou que eu não tinha médico de família, que no centro
havia pouquíssimos médicos, e que, dada a hora a que tinha chegado (09H20, mais
ou menos), já não havia senhas de urgência (que penso serem só cerca de meia dúzia por dia), e que o centro não fazia urgências
(contrariamente ao teor do site do Ministério da Saúde sobre os centros de saúde, portanto). E lá amarguei mais uma hora e meia (na verdade um pouco mais,
uma vez que fui chamada às 12H00), para encontrar um médico muito simpático,
mas que percebi que nem sequer tinha olhado para os documentos fotocopiados e
que, ao saber que a criança tinha ido ao hospital, declarou: «Ah, então diga
lá, o meu trabalho assim já está facilitado…». Eu nem sequer precisei de tirar
a Joana do carrinho e ele nem sequer precisou de lhe tocar, aliás, de se levantar do seu lugar.
Tempo esperado no Hospital público: 1 hora e 40 minutos
(nada mau, para uma época do ano complicada e de noite).
Tempo esperado pelo atendimento no centro de saúde: 3 horas
e 40 minutos.
Tempo dentro do consultório do médico no centro de saúde: 5
minutos.
Pelo que percebi que as novas indicações (provavelmente para
evitar baixas fraudulentas) é dificultar ao máximo as condições para quem está
doente ou tem filhos doentes. Vamos ao hospital. Depois ao centro de saúde.
Ocupamos os dois serviços de saúde inutilmente. Andamos doentes, ou com filhos
doentes, a necessitar de descanso e preservação em casa ou com contextos possivelmente
contagiosos, a passar horas a tratar de papéis que nos justificam faltas ao trabalho,
sendo que na grande maioria dos casos (as tais viroses simples e curáveis em
três dias) estas nos forçam a descontos a 100%... (que é o que se desconta
quando se está de baixa ou assistência à família até três dias)!!! Já para não
falar que, no caso de uma doença altamente contagiosa ou incapacitante, podemos
ter que enviar outra pessoa por nós ao centro de saúde e, nesse caso,
sujeitamos um profissional a ter que assinar de cruz um atestado a uma pessoa
que não observou…!!
Pergunto-me: o que é isto…?! A que ponto chegámos?! Já não
chega a preocupação/ ansiedade de ver um filho pequeno doente?! Já não chega a
culpa que sentimos tantas e tantas vezes em relação às faltas ao trabalho, à
redução na equipa, a deixar os colegas desfalcados?!
Fico a pensar quem é que beneficia disto. Não são os doentes,
nem os seus acompanhantes, nem os utentes do serviço de saúde, nem todos os
funcionários do serviço de saúde (quer seja de hospital quer seja de centro de
saúde), nem os locais de trabalho… Fico reduzida ao poder instituído, que trata
de burocratizar e dificultar tanto e cada vez mais a situação a quem está
doente ou a acompanhar quem está doente que só lhes resta pôr dias de férias
para não ter que se sujeitar a isto…
Interiormente guardo para mim o desejo de que esta minha
filha pequena saia ao irmão, que é tão resistente, e não à irmã, que apanhava
todo e qualquer vírus ou bactéria no raio de quilómetros ao seu redor…
A partir de hoje, minhas gentes, já sabem: PROIBIDO ADOECER!
Rita