terça-feira, outubro 07, 2014

NOVELA DA DOENÇA, Capítulo 1 - É proibido adoecer

Um dia antes de fazer os nove meses – e, provavelmente para comemorar um mês de creche – a Joana ficou doente pela primeira vez.
A diarreia que tinha há uns dias estava a passar, controlada só com dieta, mas na quarta-feira passada fomos dar com ela com febre. Parecia bem, ativa, igual a ela mesma, com apetite, mas com febre. E, como durante o dia, me parecesse vê-la cofiar a orelha num gesto que lhe é pouco habitual, lá nos organizámos (Vasco na vizinha) e rumámos à Estefânia à noite. Aproveitámos um coxear de vários dias da Alice e levámo-la também.

Depois do Rx, o diagnóstico da mais velha foi rápido e fácil: um ligeiro entorse a necessitar só de dispensa da prática de educação física durante quinze dias, passível de melhorar em menos. A avaliação do estado da Joana demorou mais um pouco mas o resultado foi claro: uma ligeira inflamação nos dois ouvidos, sem pus, com alta probabilidade de se resolver em 48 horas só com Brufen. O médico explicou as alternativas: ou medicar, de forma talvez excessiva e precipitadamente com antibiótico, ou garantir a necessidade de reavaliação após o período indicado. Escolhida a última hipótese, questionei-o acerca do atestado para ficar em casa com a mocinha e qual não foi o meu espanto quando ele me explicou que, atualmente, só poderia fornecer uma declaração médica com o diagnóstico e que seria o colega do centro de saúde a quem caberia passar o atestado de assistência à família.

Pois que lá rumei eu, desta feita só com a doente, para o centro de saúde da minha área. Tirei a senha e expliquei no atendimento ao que vinha. Tiraram fotocópia do meu Cartão de Cidadão e da declaração do médico no hospital e mandaram-me esperar. E esperámos. Esperámos, eu e a minha rapariga pequena – doente, já tinha dito? possivelmente com um contexto viral, contagioso, certo? e a idade de nove meses, também já tinha mencionado? – exatamente TRÊS HORAS E MEIA…! Sentadas na sala de espera, indiferentemente a poderem estar ao nosso lado grávidas, bebés mais pequenos ou doentes, idosos, fosse quem fosse…
Duas horas depois de lá estarmos, dirigi-me ao atendimento e perguntei, com a maior calma e boa educação de que fui capaz – mas provavelmente com olhos raiados de fúria – do que estava eu à espera. «Então… não veio para lhe ser passado um atestado…?! Está à espera que o médico consiga chamá-la…» Perguntei se não me encontrava à espera de uma consulta de urgência para isso (passo a explicar o raciocínio: ou o médico tirava um minuto entre consultas para observar as fotocópias dos documentos e aproveitava os meus dados já informatizados para me passar o atestado o mais depressa possível ou desejava examinar novamente a criança e, nesse sentido, fá-lo-ia numa consulta com urgência para que um bebé de nove meses, doente, não estivesse à espera – tem lógica? Pelos vistos, não) e que estava ali a perguntá-lo uma vez que já tinham sido chamadas outras pessoas chegadas depois de mim, algumas delas provavelmente também com urgências.
E é quando a senhora me explica que não, que não era uma consulta. Que «qualquer coisa, blá-blá-blá, um favor do médico, quando tivesse tempo». Estaquei: «Desculpe, mas o médico não me está a fazer favor nenhum.» (Duas horas????!!!! Com filha de nove meses doente???!!! É que é cá um favor!!!!!) E ela: «Sim, no fundo é mais ou menos um favor.». Ao que expliquei que tinha estado na noite anterior no hospital durante uma hora e quarenta e que a minha filha já tinha sido examinada e diagnosticada, trazendo eu o papel do diagnóstico. E que sabia que ela, a senhora, não tinha culpa nenhuma, mas que compreendesse a minha situação. E ela explicou que eu não tinha médico de família, que no centro havia pouquíssimos médicos, e que, dada a hora a que tinha chegado (09H20, mais ou menos), já não havia senhas de urgência (que penso serem só cerca de meia dúzia por dia), e que o centro não fazia urgências (contrariamente ao teor do site do Ministério da Saúde sobre os centros de saúde, portanto). E lá amarguei mais uma hora e meia (na verdade um pouco mais, uma vez que fui chamada às 12H00), para encontrar um médico muito simpático, mas que percebi que nem sequer tinha olhado para os documentos fotocopiados e que, ao saber que a criança tinha ido ao hospital, declarou: «Ah, então diga lá, o meu trabalho assim já está facilitado…». Eu nem sequer precisei de tirar a Joana do carrinho e ele nem sequer precisou de lhe tocar, aliás, de se levantar do seu lugar.

Tempo esperado no Hospital público: 1 hora e 40 minutos (nada mau, para uma época do ano complicada e de noite).
Tempo esperado pelo atendimento no centro de saúde: 3 horas e 40 minutos.
Tempo dentro do consultório do médico no centro de saúde: 5 minutos.

Pelo que percebi que as novas indicações (provavelmente para evitar baixas fraudulentas) é dificultar ao máximo as condições para quem está doente ou tem filhos doentes. Vamos ao hospital. Depois ao centro de saúde. Ocupamos os dois serviços de saúde inutilmente. Andamos doentes, ou com filhos doentes, a necessitar de descanso e preservação em casa ou com contextos possivelmente contagiosos, a passar horas a tratar de papéis que nos justificam faltas ao trabalho, sendo que na grande maioria dos casos (as tais viroses simples e curáveis em três dias) estas nos forçam a descontos a 100%... (que é o que se desconta quando se está de baixa ou assistência à família até três dias)!!! Já para não falar que, no caso de uma doença altamente contagiosa ou incapacitante, podemos ter que enviar outra pessoa por nós ao centro de saúde e, nesse caso, sujeitamos um profissional a ter que assinar de cruz um atestado a uma pessoa que não observou…!!
Pergunto-me: o que é isto…?! A que ponto chegámos?! Já não chega a preocupação/ ansiedade de ver um filho pequeno doente?! Já não chega a culpa que sentimos tantas e tantas vezes em relação às faltas ao trabalho, à redução na equipa, a deixar os colegas desfalcados?!
Fico a pensar quem é que beneficia disto. Não são os doentes, nem os seus acompanhantes, nem os utentes do serviço de saúde, nem todos os funcionários do serviço de saúde (quer seja de hospital quer seja de centro de saúde), nem os locais de trabalho… Fico reduzida ao poder instituído, que trata de burocratizar e dificultar tanto e cada vez mais a situação a quem está doente ou a acompanhar quem está doente que só lhes resta pôr dias de férias para não ter que se sujeitar a isto…
Interiormente guardo para mim o desejo de que esta minha filha pequena saia ao irmão, que é tão resistente, e não à irmã, que apanhava todo e qualquer vírus ou bactéria no raio de quilómetros ao seu redor…
A partir de hoje, minhas gentes, já sabem: PROIBIDO ADOECER!

Rita

1 comentário:

Micaela disse...

É aqui que queres que eu deixe o meu texto sobre a minha aventura com a segurança social?? Tipo: teu-post-versão-aberrações-vividas-quando-se-interage-com-os-serviços-da-segurança-social???