1.
A minha mãe costumava contar que, há muitos e muitos anos atrás, a minha avó Conceição - a mãe dela - não conseguia dormir bem. Sem televisão e penso que por não ser socialmente muito bem visto ir sozinha ao cinema (ou talvez só porque quisesse companhia), levava-a com ela ao "Palácio" - outrora o único cinema em Viana do Castelo e onde eu ainda cheguei a ir ver alguns filmes. A minha mãe não tinha idade suficiente e a minha avó usava então o documento de identificação de uma outra filha, nascida anteriormente mas que já não era viva, para conseguir levá-la com ela.
O mais cómico da história é que a minha avó dormia durante toda a sessão, não imaginando provavelmente estar a criar uma cinéfila que, ainda há pouco tempo, alimentava o hábito de, sem qualquer problema, ir ao cinema sozinha...
2.
Vem-me muitas vezes à cabeça as matinés dos antigos domingos lá de casa. Recordo-me da fase dos filmes musicais mas também da dos westerns ou de outras... O meu pai - tal como, pelos vistos, a sogra noutros tempos - deitava-se ao comprido no sofá grande e passava o filme a ressonar. A minha mãe ficava no sofá individual e eu e a Cristina sentávamo-nos no chão, mais ou menos à frente. Gostava muito das explicações da minha mãe sobre os actores e os filmes, em voz baixa para não acordar o meu pai... mas talvez o que tenha ficado mais indelevelmente marcado em mim foi a sua mão simultaneamente a fazer-me cafuné... para mim, ainda hoje as festas na cabeça têm sabor e cheiro a sapateado e rugidos de leões a abrir tardes bem passadas...
3.
Penso que o filme "com pessoas e legendas" que primeiro terei visto com a Alice, terá sido o "Mary Poppins", só no ano passado. Desde aí, juntámos-lhes alguns, de propósito ou por casualidade: "Quem tramou Roger Rabbit", "O Sítio das Coisas Selvagens" (que ficou por acabar), o "Capitães de Abril", "O estranho caso de Benjamim Button" ou, no caso de hoje, "Extremamente Alto, Incrivelmente Perto". Alguns têm uma temática ou uma apresentação infantil mas outros obrigam-me a fazer paragens a meio, a explicar factos ou até a pesquisar coisas na internet paralelamente. Alguns são quase um preâmbulo de outras visualizações e leituras, como o "Capitães", mas podem envolver ao mesmo tempo a lembrança que, lá porque ouvimos e aprendemos uma quantidade enorme de asneiras no filme, não significa que optemos por repeti-las. Outros geram raciocínios imaginativos habitualmente não usados, como o "Benjamim Button". Outros ainda, como o de hoje, têm relação com assuntos sérios e pesados, como o luto ou o terrorismo.
O que a Alice não sabe é que guardo mentalmente filmes destes para ver com ela, que aguardo ansiosamente pelo momento em que lhos proponho e ela aceita, pelas mãos dadas ou festas trocadas no sofá ou na cadeira do cinema, pelas explicações que se geram, sejam elas segredadas ou ditas em volume normal, na altura de intervalo ou de opção por pausa no comando. Partilho coisas que sei sobre os actores, procuramos depois fotos ou informações que nos possam interessar. Mas o que fica, o que retenho, o que espero, é que aquelas horas que são nossas se prolonguem sensitivamente na sua mente e na sua pele e que venham a ter o mesmo doce toque dos cafunés antigos da minha mãe e dos nossos filmes.
Rita
(para a minha madrezita, aniversariante de hoje, com muitas saudades das nossas tardes de domingo, dos nossos musicais... e dos meus cafunés, obviamente)
1 comentário:
Que lindo! Confesso que tenho ainda dificuldade em dar à R. filmes desses e que ela é pouco recetiva... consegui a musica no coração e a mary poppins, porque...têm musica. No outro dia quis convencê-la a ver o "Hugo", sem sucesso. Para me compensar, vou vendo com ela os filmes pre-teen que ela gosta de ver. Mas ao ler o teu post, fiquei com mais vontade de a convencer!!!
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