Fazemos e refazemos as contas e chegamos à conclusão que foi em Junho ou Julho últimos que lhe falaram na massa que tinha no estômago ou esófago, já nem sei bem. A doença que tinha ameçado miná-la há dezoito anos, e que ela tinha vencido, voltara. Em Novembro ficámos a saber que nada adiantaria, as malditas células tinham-se reproduzido assustadoramente. E desta vez, ela não lhe ia ganhar.
A nossa Tia Alcide partiu este domingo. Em seu lugar deixou-me uma imensidão de recordações a que me tento agarrar, e um pânico muito íntimo, que ouso confessar aqui, de me vir a esquecê-las. Da suavidade maravilhosa da sua pele muito cor de rosa, que não podia apanhar sol. Do tom de voz com que atendia o telefone, que precisava sempre de um abanão. Do falar sozinha constante, que ela não gostava que presenciássemos e por isso eu me escondia em miúda, para poder ver. Do mau génio. Da lembrança dos croissants que ela queria sempre que eu trouxesse nas viagens de volta a Lisboa e que eu fui dispensando, para depois vir a lamentar o privilégio perdido. Das dezenas de vezes que se levantava quando estávamos à mesa e da forma de nos perguntar, a nós, mulheres da família, se os nossos companheiros queriam mais. Da forma infindável de contar as suas histórias, encadeadas umas nas outras, «lá vem o Saramago», dizia o meu pai. Da maior falta de sentido prático que eu alguma vez conheci, as carradas de roupeiros quase vazios e ela sempre a queixar-se da falta de espaço. E tanto, tanto mais que não está aqui e não estará nunca em lugar nenhum que não em nós...
Há pouco falávamos do medo que temos que, de tanta rispidez trocada em algumas discussões, ela pudesse ter alguma vez duvidado do importante e amada que era para nós. É que a nossa Tia Alcide era uma pessoa que enchia a casa, as nossas férias, a nossa família, já de si tão pequena.
E por muito que saibamos que nada há a dizer ou a fazer e que a vida é assim, subsiste o sentimento de que a nossa ficou bem mais pobre.
Rita
Ana Cristina
5 comentários:
Em momentos como estes... que mais há a dizer?
Sinto muito pela vossa tia!
Beijos do fundo da Minha Alma
ficamos sempre sem palavras...beijinho grande.
Lamento muito.
Se nos víssemos em Viana dava-te um abraço apertado.
Beijinhos.
De lágrimas nos olhos vos deixo aqui o meu pesar.
Um beijinho grande para todos.
Um beijinho muito grande amiga para ti e toda a família.
D
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