Quando eu acabei a minha licenciatura, a minha irmã já era enfermeira há uns oito anos.
Eu vim a seguir a participar num concurso público para a profissão que hoje tenho - e que acho que não devo dizer aqui qual é - a entrar e a fazer um ano de curso e um ano de estágio. A minha licenciatura não era um requisito na altura, pelo que para o que eu iria fazer só se exigia o 11º ano. Na verdade, se eu não achasse que as minhas habilitações se enquadravam perfeitamente na minha futura profissão, era quase como se sentisse que tinha andado a estudar mais de quatro anos para nada.
Quando eu me encontrava a acabar este segundo curso, a carreira para a qual eu estava a estudar foi repensada, reestruturada e criaram-se novas regras: a partir dali, seria exigida uma licenciatura e não mais o 11º ano. Mudaram-se títulos e, mais importante, tabelas salariais. Todos passaram a ganhar mais, independemente das suas habilitações literárias. E mesmo hoje, ter uma licenciatura (como passou a ser obrigatório nos concursos seguintes) ou ter o 11º ano (como muitos até à minha entrada têm) acaba por ter o mesmo significado em termos de vencimento.
Entretanto, a minha irmã tinha um bacharelato, porque assim era a formação em enfermagem. E trabalhou no público, depois no privado, trabalhou em dois sítios em duas ocasiões, voltou ao público, fez algumas greves em que teve de assegurar serviços mínimos e não ganhar na mesma (o que mudou mais recentemente), contraiu uma tuberculose que nunca lhe foi considerada doença profissional e que a deixou sem trabalhar uns tempos, ficou com dor siática por mudar camas com velhinhos gordinhos lá dentro, fez manhãs tardes noites e mais manhãs tardes noites e mais manhãs tardes noites...
Um dia, o curso de enfermagem passou a ser uma licenciatura e a minha irmã, como muitos enfermeiros seus colegas, começou a pensar que deveria pôr-se a fazer o ano que a faria ter equivalência a este grau de estudos. E lá se dedicou a estudar mais um ano, a arranjar chatices no emprego por demorarem meses e meses a dar-lhe o estatuto de trabalhador-estudante, lá teve de fazer trocas e trocas, lá gastou uma imensidão de dinheiro e lá tirou o seu ano de licenciatura...
Contudo, a sua carreira nunca foi reestruturada, nem repensada, nem as tabelas salariais alteradas. Fizeram-se promessas de ajustar anos de experiência profissional e habilitações, mas estas nunca vieram a ser cumpridas. O que significa que os enfermeiros licenciados e os bacharéis ganham o mesmo, mesmo aqueles que decidiram licenciar-se e esforçar-se e sacrificar vidas pessoais na esperança de verem os seus esforços reconhecidos.
Mais: um enfermeiro licenciado (ou bacharel, no fundo vai dar ao mesmo em matéria de reconhecimento de esforço) ganha em início de carreira, um ordenado base inferior ao de quem tem a minha profissão, independentemente de até eu entrar nela, só ser exigido o 11º ano.
Pronto, só quis dizer isto. Para que alguém tenha mais ou menos a mesma noção que eu do motivo que leva os enfermeiros a recusarem trabalhar e a manifestar-se nas ruas.
Rita