Entende-se, vá-se lá saber porquê, que o Natal é época de Circo. E nós, como tivemos bilhetes oferecidos no emprego, levámos a Alice pela primeira vez. Uma semana e meia mais tarde, como uma amiga arranjou novos bilhetes, avançámos novamente.
O primeiro circo era o Walter Dias. Quem já tenha visualizado o logotipo (as letras tal e qual as da marca e assinatura de Walt Disney), percebe que o dito é fraquito e que se rege um tanto ou quanto pela imitação dos de melhor gama. O segundo foi o Circo Moscovo, do tipo dos que são imitados, de tal forma que, sendo o grupo de amigos mais ou menos o mesmo, por diversas vezes nos rimos uns para os outros e segredámos: «isto é como no outro mas em bom...».
A Alice portou-se lindamente e gostou. Ficou excitadíssima com os animais, as acrobacias não lhe disseram muito, mas ao contrário do que eu esperaria, esteve atentamente a seguir o ilusionismo e fez-lhe muita confusão os desaparecimentos... «A outra menina, mãe, onde está?»
Quanto a mim, sou suspeita para falar. Adoro circo, desde miúda. Sou sensível a tudo: aos chapitôs coloridos, às fatiotas cheias de brilhantes pirosos, aos nomes inimagináveis (quem me conhece sabe que eu seria Isolette, o meu preferido), aos tiques das partenaires, ao próprio termo par-te-nai-re, às expressões batidas de quase todos os circos (os conselhos para não repetirmos as actuações em casa, os pedidos de silêncio para a execução dos exercícios mais difíceis, a inflexão da voz quando estes resultam bem).
Talvez a única dualidade na minha postura seja em relação aos animais, principalmente os de grande porte, os selvagens. Fascinam-me, desejo vê-los, tal e qual como quando era garota e queria ansiosamente passar ao redor das jaulas dos que assentavam lá no Cacém. No momento da exibição, prescruto-lhes o tamanho, o peso, o pêlo, a cumplicidade com os tratadores, para ter uma noção do cuidado a que são votados. Sei que vivem em espaços exíguos para o tamanho que alguns têm e a ideia perturba-me. Queria que fossem felizes, mas sei que muitas vezes não o são. Os animais do circo são animais de trabalho... como outros em que não pensamos, tipo os cavalos para equitação, passeios de férias e uso da polícia. Sim, na sua essência, os cavalos também são animais selvagens, sem estribos, sela e esporas.
Como no outro dia me diziam em conversa, as pessoas podem ir-se embora, os animais não escolhem. É verdade... será...? Será assim tão fácil, nesta nossa realidade, uma criança crescida no ambiente, com um insucesso escolar grotesco devido ao nomadismo, com toda a família artista de circo, sair dali, virar costas, escolher ser professor, enfermeiro, caixa de supermercado, empregado de balcão...?! Não serão as pessoas também aprisionadas ao chapitô...?!
Não me importo de ver um circo sem animais, mas o que eu queria mesmo era que o circo fosse um espectáculo valorizado e rico, como em outros países. Talvez não fossem necessários os animais para me fascinar, talvez bastassem artistas letrados, estudiosos, formados, que pudessem verdadeiramente ter escolhido estar ali e não em outro lugar. Artistas e não sobreviventes.
Rita