sexta-feira, abril 28, 2017

A nossa mãe faz setenta e dois anos


Faz hoje setenta e dois anos e eu podia falar tanto acerca dela, mas só me ocorre dizer que, atualmente, aos setenta e dois anos, uma das grandes lições que ela me ensina, todos os dias, é que é triste quando se é ou se começa a ser definido por uma doença.
A minha mãe está doente há cinco anos e, neste momento, esse pesadelo em forma de doença é quase todo o seu presente. Mas, no seu passado, ela foi muitas outras coisas... filha, irmã mais velha, estudante preguiçosa, colega, amiga, namorada, mulher, companheira, professora, lutadora, mãe, avó... inteligente, sensata, justa, teimosa, atrasada, leal... hoje, é essencialmente ataxia... e também é todas as pessoas que, não tendo intencionalmente prejudicado ninguém ao longo da sua vida, são castigadas com definhamento antinatural...

Ela continua a ser, para mim, das pessoas mais extraordinárias que conheci na minha vida. Orgulhosamente imitável em muitos sentidos. 
Sempre foi presente como avó, em todas as fases da vida dos netos. Cá em casa a dormir e a dar apoio quando nasceu a primeira. A vir de transportes todos os dias para ajudar quando nasceu o segundo. Em todas as festas de aniversário, de escola, de atividades extra, de datas a comemorar, de projetos da escola. Em períodos de doença. Em fins-de-semana, em férias. Sempre que eu e ele precisávamos de uns momentos a dois. Tal como tinha feito comigo e com a minha imã, esteve sempre lá, presente. 

Quando a Joana nasceu, ela já estava doente. Menos do que agora, claro está, ou não fizesse a ataxia parte dessa lista das degenerativas. Na altura ainda falava bem, ainda andava, ainda pegava nela, embora insistíssemos que o fizesse sentada, não fosse dar-se um desequilíbrio como já acontecera e depois passou a acontecer muitas vezes. Mas o que verdadeiramente interessa é que, tal como sempre, continuou presente. Sempre que pôde e depois sempre que era acompanhada e depois sempre que as circunstâncias permitiam. 
A Joana não se lembra, é claro, não se poderá lembrar. Nem da avó a pegar nela, nem de pé, nem a andar, nem sequer a falar com ela. 
E eu, durante muito tempo, lamentei-o. Tanto. Que ela não pudesse ser a presença na vida dela que tinha sido na dos outros.
Mas, na semana passada, levei a minha mãe a um exame médico. E expliquei à Joana o que ia fazer. E, no fim desse dia, por sua própria iniciativa, ela perguntou pela avó, se ela já estava melhor. E continuou pelos dias seguintes. 
Porque a presença nem sempre é andada, pegada, falada. Muitas vezes, a presença... só é. Chega para deixar marca. Tudo o resto que já não está lá, trataremos nós de mostrar.

De forma que ergo o copo aos setenta e dois de uma das mulheres mais importantes da minha vida, a minha mãe. E concluo que uma das grandes lições que ela me ensina, todos os dias, é que uma das melhores formas de ser definido na vida de alguém, é pela presença. 
Rita

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